07/12/2012

sobre pessoas medianas

hoje, por volta de dez e meia da manhã, chegou pela minha timeline do facebook a notícia de que um rapaz, com apenas 25 anos de idade, acabara de ser aprovado num concurso para o cargo de juiz federal. o texto informava que ele havia estudado no instituto dom barreto durante toda a vida escolar, mesmo colégio em que cursei todo o meu ensino fundamental.

antes de começar a me torturar com meus mecanismos de boicote emocional por lembrar que, com 26 anos, eu ainda não conquistei nada pra chamar de meu, mudei o foco e passei a outro mecanismo. agora, estou pensando como cheguei até aqui, vindo do mesmo lugar que o mais novo juiz federal do brasil. é inquestionável que o dom barreto seja a instituição que mais aprova e que mais emplaca primeiro lugar de qualquer coisa brasil afora; aliás eu não duvidaria se ele fosse inclusive o colégio mais limpo do país. mas o que ninguém lembra ou gosta de falar é das coisas em que o dom barreto não só não é o melhor, como seria forte concorrente a pior. de 2000, o ano em que desisti, pra cá, dificilmente vi reclamações (principalmente públicas) de pessoas que, em algum momento não se adequaram aos métodos praticados na escola ou relatos de situações traumáticas que eram bastante comuns nos anos que estudei lá. ao contrário disso, vejo muita gente que já passou por maus bocados (e provavelmente ainda hoje passa) dizendo que sente saudades disso, daquilo ou daquele; não me admira que o esboço de tamanha hipocrisia tenha sido traçado nas dependências daquelas salas brancas.

não estou aqui pra falar do que todo mundo já sabe, estou aqui pra alertar sobre o que ninguém comenta, pra lembrar dos colegas que, em plena sexta série, levavam bebida alcoólica pra que já foi eleita a melhor escola do brasil. essa mesma escola abrigava nos anos 90 pré adolescentes que não só bebiam, como levavam para a escola, não por quererem ficar bêbados durante a aula, mas pelo prazer animalesco de desobedecer às regras [de-melhor-escola-do-brasil], desafiar as autoridades e conquistar prematuramente o status de impunes, porque eram muito bem acobertados pelos outros alunos que testemunhavam. depois de anos de prática dessa brincadeira de péssimo gosto, apenas uns dois ou três bodes expiatórios foram expulsos por conta de um dedo duro, contra quem todos se voltaram, ao final de tudo.

eu sou de um tempo de dom barreto em que os alunos ainda podiam respirar de suas fardas azuis ao final dos semestres e ir pra escola mais à vontade, vestindo o que desejassem. lógico que a tranquilidade de poder escolher a roupa de ir pra escola era completamente ilusória, porque as impressões e os julgamentos que essa escolha acarretava eram extremamente aprisionadores. e, foi numa época como essa, de véspera de férias, que eu vivenciei uma das situações mais traumáticas da minha vida.

como em qualquer escola que não é a melhor do brasil, todo mundo aproveitava o final de ano pra riscar uma das camisas de farda com assinaturas dos amigos, mas o período era propício também para cada qual ostentar suas câmeras fotográficas e filmadoras com o objetivo de registrar quem participou da sua vida durante aquele ano. em 97, acabei sendo registrada em câmeras de quem eu tinha pouca ou nenhuma participação, porque uma colega planejou uma trama que despertaria inveja em joão emanuel carneiro. a bárbara, que só foi expulsa do colégio alguns anos e muitas perversidades depois, fez jus ao seu nome e mobilizou duas pessoas pra me distraírem e me levarem até uma quadrinha de jogos mais isolada e convidou uma dezena de outros alunos, munidos de suas câmeras, a se esconderem e só aparecerem no momento de registrar o que ela estava prestes a fazer: subir o vestido que eu estava usando até a altura que ela conseguisse. e ela conseguiu levantar o suficiente para que todos vissem, rissem e eternizassem a cena. me corrija se eu estiver sendo dramática, mas, até para os valores de 2012, isso é MUITO para uma recém pré adolescente.

eu estudei e convivi com pessoas extremamente perversas que foram não só aceitas, como aplaudidas porque eram donas das melhores notas e/ou dos mais ricos bolsos. quem disser que era médio ou pobre e tratado com igualdade e acolhimento no instituto dom barreto, vai estar mentindo, assim como quem disser que era excluído, mesmo sendo rico e/ou tendo as melhores notas. entendo que essa seja a lei que rege o capitalismo e que isso não seja muito diferente da perspectiva de mundo que eu tenho hoje, mas lidar com isso aos 12 anos de idade era mesmo necessário? o que essas diferenciações me ensinaram, associadas a muitos golpes contra a minha auto estima ("é a metogologia da escola, aiara"), foi que: não importava o quanto estudasse, eu sempre seria a aluna 7,5 e que não importa o quanto me esforce, eu sempre vou ser uma PESSOA 7,5.


voltando ao objetivo inicial, o que ninguém gosta de falar é que, assim como eu, sempre teve muito aluno 7,5 no instituto dom barreto, aliás, a maioria das pessoas é considerada 7,5 no conceito desta fábrica de gênios bem sucedidos. mas e aí? por que ninguém fala dessa maioria? o que foi feito deles? onde foram parar? tudo indica que os alunos 7,5 não interessam, porque dificilmente tiveram o futuro que a escola propõe e difunde para a vida de seus alunos. pessoas na média acabam tendo uma vida na média. e quem se importa com o médio?


ninguém me perguntou, mas a aluna 7,5 aqui está no sétimo ano de um curso que dura quatro. a mediana aqui não sabe o que vem depois do diploma, mas sabe que não vai ser campeã de concurso. com sorte, mais alguns anos de terapia vão me ajudar a recompor a auto estima danificada e aí pode ser que, desmistificando tudo de ruim que o colégio de gênios me impôs, eu consiga finalmente descobrir alguma genialidade em mim.

Um comentário:

Cássia disse...

da série: o outro lado da história.
muitissimo bem escrito. :*